A cachacinha antes do almoço e antes de dormir é uma tradição para o mineiro Gustavo Motta, de 43 anos. “O problema é que eu acabei transformando isso em uma ‘bengala’ para conseguir dormir, já que tenho sérios problemas para dormir. Ansiedade, TDAH e depressão fazem parte da minha realidade. Diagnosticado, mas não medicado”, desabafa o jornalista que mora em Cabo Frio (RJ).
Gustavo
disse que bebe todas as noites nos últimos 20 anos. “Desde 2001, quando tive um
problema no joelho que acabou com minha carreira na dança, eu era dançarino e
ator na época, foi quando meus problemas psicológicos se tornaram mais fortes”.
Ele conta que toma aproximadamente meio litro de aguardente por dia.
Embora
o álcool consiga trazer relaxamento e acelerar o adormecimento, o hábito de
beber antes de dormir prejudica a qualidade do sono, alerta o biomédico e
pesquisador do Instituto do Sono, Gabriel Natan Pires.
“A
curto prazo, o álcool altera a arquitetura do sono, fragmentando este sono,
piora o ronco e a apneia, e ainda a própria sensação de ter bebido demais e a
ressaca pioram o sono também”.
Gustavo
disse que sente as consequências do hábito no dia a dia. “Sinto falta de força
física, cansaço, fora os outros problemas como pancreatite, inflamação no
fígado e até uma trombose. Não tenho dores de cabeça. Roncava muito, mas fiz
algumas cirurgias no nariz para evitar o ronco”.
Consequências
O
especialista explica as consequências a curto prazo que o hábito de tomar umas
doses para dormir causam, como por exemplo, prejudicar o sono REM. [último
estágio do ciclo do sono, dura cerca de 20 minutos cada e é nele que os sonhos
acontecem.] e ocasionar muitos despertares. Com isso, é comum acordar cansado
na manhã seguinte.
“O
sono induzido por álcool não é natural, não serve como um sono reparador, não
serve para descanso. Se a pessoa acorda com a sensação de que está mais cansado
do que quando foi dormir é a prova de que o sono não foi adequado. O álcool
nunca é adequado para induzir sono”.
Pires
explica ainda sobre outra consequência a curto prazo: a apneia do sono. “A
apneia do sono é aquela doença em que a pessoa tem pausas recorrentes na
respiração durante a noite. O álcool relaxa a musculatura da garganta. Então a
pessoa que ronca quando está sob o efeito do álcool vai roncar mais, porque a
musculatura da garganta vai ficar mais flácida”. Para quem ronca, o álcool é muito
pior, devido a apneia.
“A
depender da quantidade de álcool que a pessoa toma, a ressaca vai piorar o
sono, já que, com ressaca e dor de cabeça ninguém consegue dormir direito,
ainda tem que levantar no meio da noite para urinar várias vezes. Então tem os
efeitos do álcool agindo sobre o metabolismo do corpo, afetando o sono”.
Segundo
o levantamento Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas
por Inquérito Telefônico (Vigitel), em 2021, consumo de álcool com frequência
foi de 18,3% para a população geral, indicando que, após o aumento visto em
2020, com prevalência de 20,9%, no primeiro ano da pandemia, o consumo abusivo
retornou aos patamares percebidos desde 2010.
Estágios
do sono
O
sono acontece em uma sequência pré-determinada. A primeira fase é chamada não
REM [do inglês: rapid eye movement, ou movimento rápido dos olhos em português]
e tem três estágios. Em seguida vem o sono REM, quando acontecem os sonhos. “O
sono não REM, que é esse que começa o sono, é mais profundo. Diferentemente do
que as pessoas pensam, o sono ruim é um sono superficial, em que o cérebro está
muito ativo. Mas no sono não REM, o cérebro está bem lento”.
O
biomédico explica que durante o sono não REM existe um neurotransmissor no
cérebro que predomina, chamado GABA [sigla do inglês Gamma-AminoButyric Acid -
ácido gama-aminobutírico]. Este neurotransmissor reduz a atividade dos
neurônios de várias regiões do cérebro, fazendo que funcionem mais lentamente.
Por isso, é liberado pelo organismo no início do sono.
“Então
quando o álcool entra no nosso corpo, ele acaba fazendo o mesmo efeito que o
GABA faria. Por diminuir a função das regiões que promovem o despertar, o
álcool também pode promover sono”.
Mas,
não só no sono, mas em qualquer função do nosso corpo, detalha o médico.
“Quando alguém toma qualquer bebida alcoólica, ela primeiro vai inibindo
funções como a social, então a pessoa fica desinibida. Depois vai perdendo o
controle sobre a coordenação motora, depois da função da memória e até que pode
chegar ao caso de intoxicação alcoólica, quando perde o controle da respiração,
tudo isso porque o álcool vai inibindo essas funções”.
Tolerância
perigosa
Além
de prejudicar a qualidade do sono e aumentar o ronco e a apneia, o hábito de
beber para dormir pode piorar com o tempo. “O sono vai ficando cada vez menos
reparador e quando começa a se estabelecer a dependência, a ansiedade de ter
que beber antes de dormir, já piora o sono”, alerta o médico.
Gabriel
Natan Pires informou que, com o tempo, a tolerância à bebida aumenta, o que
pode ser perigoso. “No começo, por exemplo, de um padrão de uso de álcool, a
pessoa tinha que tomar uma taça de vinho para dormir. Depois de um tempo, uma
taça de vinho já não faz o efeito que a pessoa precisa. Ela precisa tomar uma
garrafa de vinho para dormir. Depois de um tempo não funciona mais. E esse
padrão, de ter que aumentar a dose para conseguir o mesmo efeito é perigoso,
porque a medida em que há o aumento, há o perigo de coma ou mesmo uma parada
respiratória e por aí vai”.
Gustavo
conta que também começou com poucas doses. “Comecei com pouco e fui aumentando.
Acho que a capacidade de aguentar beber mais do que os outros, sem ter
problemas com ressaca, fizeram esse hábito se tornar tão perigoso”.
O
jornalista relata que já tentou mudar o hábito de beber para dormir. “Fiz
tratamento psiquiátrico, mas não consegui dar segmento. É muito complicado
entender o que acontece com a cabeça da gente. Eu já tentei várias vezes, mas
não consegui. Hoje, sem perspectiva na vida e sem pensar em futuro, está ainda
pior. Mas acredito que posso parar um dia”.
Mudança
de hábito
Na
visão do biomédico Gabriel Natan Pires, a pessoa que não consegue dormir sem
tomar álcool vive uma espécie de condicionamento. De acordo com o grau de
dependência, pode ter uma síndrome de abstinência, caso decida interromper esta
rotina. Nesse sentido, é necessário ajuda médica e psicológica para se livrar
deste hábito.
“O
uso de álcool é uma dependência química. Então, é sempre muito melhor que a
gente aposte na prevenção”, finalizou.
Da Redação/Viva
Notícias
Fonte: Agência Brasil
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