Quase 30 milhões de brasileiros vivem em cidades com contratos de saneamento básico considerados irregulares. É o que mostra um estudo do Instituto Trata Brasil em parceria com a GO Associados divulgado nesta terça-feira (12).
O
estudo avalia o setor dois anos após a aprovação do Novo Marco Legal do
Saneamento Básico, em 15 de julho de 2020. Entre os objetivos do novo marco
está a universalização dos serviços até o ano de 2033, garantindo que 99% da
população do país tenha acesso à água potável e 90% ao tratamento e à coleta de
esgoto.
A
realidade do país, porém, ainda está longe disso. Segundo os dados mais
atualizados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), que são
do ano de 2020, 84% dos brasileiros têm cobertura de água e apenas 55% estão
ligados à rede de esgoto.
Na
prática, isso significa que quase 35 milhões de pessoas vivem sem acesso à água
tratada e 100 milhões não têm acesso à coleta de esgoto - o que causa centenas
de hospitalizações por doenças, além de efeitos econômicos, educacionais e
sociais.
Ranking
do saneamento básico: veja quais são as grandes cidades com os melhores e os
piores serviços do país
Por
isso, para tentar acelerar a universalização, um decreto de 2021 estabeleceu
que os municípios tinham que apresentar até o dia 31 de dezembro de 2021 uma
documentação comprovando que eles têm capacidade econômica e financeira para
atingir as metas de universalização estabelecidas pelo marco.
"As
companhias de saneamento precisavam mostrar que vão precisar de x bilhões de
reais para universalizar os serviços e demonstrar que têm capacidade para
conseguir o dinheiro com banco ou outras fontes. O objetivo era ver quem tem
capacidade financeira para continuar no jogo", diz Luana Pretto,
presidente executiva do Trata Brasil.
Este
decreto era direcionado a todas as cidades cujo sistema de saneamento básico é
gerido por companhias estaduais - são quase 3,9 mil, ou seja, 70% das cidades
do país. As cidades com companhias e concessões municipais também têm que
cumprir as metas do marco, mas não precisaram apresentar este documento -- já
que, segundo a Constituição, o saneamento básico é uma atribuição que deve ser
do município, e não do estado.
Para
tentar entender o atual patamar do setor após o novo marco, o estudo do Trata
Brasil analisou a situação destas 3,9 mil cidades. Desse total, 2,7 mil
entregaram a documentação e estão em situação regular. Mas 1,1 mil (30% do
total) não entregaram -- ou entregaram, mas foram consideradas irregulares
pelas agências reguladoras.
Isso significa que os quase 30 milhões de brasileiros que moram nestas cidades estão vivendo em municípios sem perspectivas ou planos concretos para melhorar as coberturas de água e de esgoto desta região.
Este
ponto é importante porque estas cidades irregulares têm indicadores muito
piores que as cidades que fizeram e apresentaram seus planos de
universalização. Enquanto que 85% da população das cidades regulares têm acesso
à água potável, apenas 64% dos moradores das irregulares vivem com este
serviço. Em relação ao esgoto, a diferença também é grande: 58% nas cidades
regulares e 29% nas cidades irregulares.
Nos
municípios considerados irregulares, houve investimento de R$ 48 por ano por
habitante. Já nos regulares, foi praticamente R$ 100. Isso mostra que, sem
investimento, o saneamento e os indicadores não evoluem", diz Pretto.
Além
disso, a maioria das cidades em situação irregular está nos estados do Norte e
do Nordeste. Mais de 60% das populações de estados como Maranhão, Pará e Piauí
moram em cidades com contratos irregulares. Esse percentual chega a 100% nos
casos do Acre e de Roraima -- ou seja, todas as cidades destes estados estão
irregulares.
"As
cidades precisam tomar uma atitude, como a formação de um bloco regional para
conseguir buscar recursos. Estes números deixam claro que elas não têm
capacidade de fazer frente às metas e nem preocupação para mudar a realidade
por não entender os seus benefícios ou por não querer solucionar a
questão", diz Pretto.
Veja
abaixo o percentual das pessoas que moram em cidades irregulares por estado e
por ordem decrescente:
Acre:
100% da população em cidades irregulares
Roraima:
100% da população em cidades irregulares
Maranhão:
75,1% da população em cidades irregulares
Pará:
65,5% da população em cidades irregulares
Paraíba:
65,3% da população em cidades irregulares
Piauí:
63,7% da população em cidades irregulares
Rio
Grande do Norte: 37,8% da população em cidades irregulares
Bahia:
32,6% da população em cidades irregulares
Rondônia:
19% da população em cidades irregulares
Goiás:
18,2% da população em cidades irregulares
Amazonas:
11,8% da população em cidades irregulares
Tocantins:
10,9% da população em cidades irregulares
Sergipe:
9,2% da população em cidades irregulares
Rio
de Janeiro: 9,1% da população em cidades irregulares
Pernambuco:
6,6% da população em cidades irregulares
Paraná:
4,6% da população em cidades irregulares
Alagoas:
3,5% da população em cidades irregulares
Santa
Catarina: 3,5% da população em cidades irregulares
Minas
Gerais: 2,7% da população em cidades irregulares
Espírito
Santo: 2,6% da população em cidades irregulares
Mato
Grosso do Sul: 2,1% da população em cidades irregulares
Rio
Grande do Sul: 1,9% da população em cidades irregulares
Ceará:
0,3% da população em cidades irregulares
São
Paulo: 0,2% da população em cidades irregulares
Amapá:
0% da população em cidades irregulares
Distrito
Federal: 0% da população em cidades irregulares
Mato
Grosso: 0% da população em cidades irregulares
Pretto
explica que, segundo o decreto, quem não apresentasse a documentação até o
prazo estabelecido automaticamente pararia de receber recursos da União
voltados para o saneamento -- mas um novo decreto estabeleceu um novo prazo
para os municípios irregulares se adequarem.
"Agora,
eles têm até 30 de novembro para apresentar uma solução, seja uma concessão,
uma parceria público-privada ou o próprio município conseguir meios de levantar
recursos para a universalização", diz.
Investimento
para a universalização
Como
forma de incentivar os investimentos no setor, o estudo destaca os impactos
positivos do saneamento em diversos setores, inclusive econômicos.
Caso
o país invista os valores necessários para atingir a universalização
estabelecida pelo marco -- R$ 36,2 bilhões anuais, segundo o estudo --, a
economia brasileira pode ter um crescimento do PIB de aproximadamente R$ 45,5
bilhões anualmente.
"Este
investimento pode trazer uma mudança em toda uma geração. A universalização
pode gerar 850 mil novo empregos. Imagina o que pode gerar para o país de
cultura, educação, qualidade de vida... É uma mudança grande", diz Pretto.
O
investimento nacional, porém, também ainda segue abaixo do necessário para
atingir a universalização. O investimento médio entre 2016-2020 equivale a
aproximadamente R$ 17,1 bilhões. Isso significa que o investimento anual
precisaria mais do que dobrar para a universalização ser possível até 31 de
dezembro de 2033, conforme previsto no marco.
Mesmo
diante deste cenário, Pretto afirma que a avaliação do setor não é pessimista.
"Tem regiões que vemos que vão conseguir atingir as metas. São Paulo, por
exemplo, tem uma empresa estadual boa, com bons investimentos. Mas tem regiões
que a empresa estadual não dá conta. O pulo do gato é que haja mudança nestes
locais", diz.
"Tem
que ter mudança de 'mindset' dos governantes e cobrança por parte da população.
Que as pessoas entendam que está em uma região crítica onde ninguém está
fazendo nada para mudar a realidade e que precisa cobrar por esta mudança, pois
o saneamento tem o poder de mudar a vida das pessoas", diz Pretto.
Da Redação/Viva
Notícias
Fonte: g1
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