O município de Atalaia do Norte, onde o indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips desapareceram, fica localizado no extremo oeste do Amazonas, num lugar remoto da selva amazônica marcado por conflitos ligados a invasões em terras indígenas, tráfico de drogas, desmatamento e garimpo ilegal.
Atalaia do Norte, onde indigenista e jornalista desapareceram, fica no extremo oeste do Amazonas — Foto: Divulgação/Comando Militar do Amazônia
O
g1 fez um mapeamento da cidade, que detém 76% do território da Terra Indígena
Vale do Javari, a segunda maior do país. Foi justamente dentro dessa área que
Bruno e Phillips foram vistos pela última vez. Os dois chegaram na comunidade
ribeirinha São Rafael por volta das 6h de domingo (5). De lá, eles partiram
rumo a Atalaia do Norte, viagem que dura aproximadamente duas horas de lancha,
mas não chegaram ao destino.
Rota
do tráfico e de garimpeiros
Atalaia
fica bem na fronteira com o Peru: de um lado do rio Javari, é território
brasileiro. Na outra margem, já é o país vizinho.
Com
pouco mais de 20 mil habitantes, o município é rodeado pelas cidades de
Guajará, Ipixuna e Benjamin Constant, que também são pequenas, com uma
população que varia entre 17 mil (Guajará) e 44 mil (Benjamin Constant).
Para
chegar a Atalaia do Norte, há dois caminhos: um é a BR-307, que liga Benjamin e
Atalaia. São 26 Km entre as duas cidades em uma rodovia quase toda pavimentada.
Já outra forma de chegar até o município é o rio Javari, que leva até
Tabatinga, que é a outra cidade maior da região. São quase 24h horas de viagem
entre as cidades. Da região de Tabatinga até Manaus, são cerca de 1.100
quilômetros.
Por
fazer fronteira com o Peru, a cidade é rota do tráfico internacional de drogas.
A droga produzida no país vizinho é transportada pelos rios da região e passa
por Atalaia do Norte com destino ao restante do Brasil.
Dentro
do Vale do Javari também há a presença de garimpeiros e de madeireiros. Em
2020, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) denunciou
atividades de garimpo no local. Na época, a entidade identificou pelo menos
cinco dragas no rio Jutaí, funcionando dentro da Reserva de Desenvolvimento
Sustentável (RDS) Cujubim, no limite da terra indígena.
Essa
não foi a primeira vez que garimpeiros invadiram a região. Em 2019, a Polícia
Federal destruiu 60 balsas na mesma área e, em setembro de 2020, uma operação
desativou quatro dragas no rio Bóia, também dentro do Vale do Javari. Não há
uma estimativa de quantos garimpeiros estão na área atualmente.
Já
os madeireiros perderam força na região nos últimos anos, mas aqueles que
ficaram ainda levam a madeira extraída no Vale para o lado peruano, onde a
fiscalização é mais branda.
Grupo da etnia korubo contatado em 2014: Terra Indígena Vale do Javari tem maior concentração de povos isolados do mundo, segundo a Funai — Foto: Funai
A
área também é marcada por conflitos entre indígenas e indígenas isolados. Em
2021, um coordenador da Fundação Nacional do Índio (Funai) sugeriu "meter
fogo" nos indígenas isolados, em uma reunião que aconteceu no Vale do
Javari, que concentra o maior grupo de não contactados no mundo.
O
áudio foi divulgado pelo jornal Folha de S.Paulo. Nele, o coordenador afirmou
que, se a Frente de Proteção Etnoambiental não cuidasse dos índios isolados,
ele iria "meter fogo" neles e que esses índios estariam saindo de suas
aldeias para importunar indígenas de outra etnia.
No
município, além dos não-indígenas, vivem indígenas das etnias Marubo, Mayoruna,
Matis, Kulinas, Kanamari e recentemente contactados os Korubo e os
Tsohom-dyapa. Segundo um levantamento do Terras Indígenas do Brasil, cerca de 6
mil indígenas vivem no Vale do Javari.
A
cidade
O
território de Atalaia do Norte se estende por uma vasta área de 76.435,093 km².
A cidade vive da caça e da pesca, além do serviço público.
De
acordo com o IBGE, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é de
0,450. Esse número leva em conta três indicadores longevidade, educação e renda
e varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano.
Em
2019, o PIB per capita (que é a soma de todos os bens produzidos pela cidade
dividida pelos habitantes) era de R$ 7.578,72 em 2019, colocando o município
entre os cinco mais pobres do Amazonas. A taxa de escolarização de 6 a 14 anos,
em 2010, era de 65,5%.
Violência
e ameaças
Dados
da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP) apontam que Atalaia do
Norte registrou sua última morte violenta em 2019. De lá para cá, a cidade nem
sequer entra nas estatísticas do órgão sobre crimes no interior do estado. No
entanto, a coisa não é bem assim.
Em
2019, a BBC mostrou a escalada de ataques à base de Proteção Etnoambiental
Ituí-Itacoaí da Fundação Nacional do Índio (Funai), no Vale do Javari. Entre
novembro de 2018 e o mesmo período em 2019, foram oito ataques contra a base —
o maior número desde a demarcação da reserva, em 1998.
Na
época, as investigações apontavam que os ataques partiam de pescadores e
caçadores ilegais de Atalaia financiados sobretudo por grupos de
contrabandistas de animais de Tabatinga e Benjamin Constant, as duas maiores
cidades da região. Os animais eram vendidos para compradores brasileiros,
peruanos e colombianos.
Não
é de hoje que se trata de uma região conflagrada. Em 2000, um grupo de cerca de
300 pescadores autodenominados de Movimento dos Sem Rio, de Atalaia do Norte e
Benjamin Constant, atacou a base do Ituí-Itacoaí e a sede da Funai em Atalaia
do Norte com coquetéis molotov.
Houve
confronto e troca de tiros com servidores do órgão indigenista e fiscais do
Ibama, conforme noticiou na época o jornal amazonense A Crítica. A homologação
da Terra Indígena em 2001 culminou em um processo que retirou, mediante
indenização, a população não-indígena do Vale do Javari — pessoas que chegaram
à região no começo do século 20, na esteira do primeiro ciclo da borracha.
Uma
parte delas se estabeleceu em Atalaia do Norte depois da homologação e, a
partir daí, o confronto entre indígenas e não indígenas, antes frequentes,
tornaram-se esporádicos. No fim do ano passado, as disputas voltaram a ocorrer.
Ameaças
recentes
Em
setembro do ano passado, o Ministério Público Federal em Tabatinga, abriu
procedimento administrativo para acompanhar o trabalho de uma equipe de
vigilância indígena da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) no
Vale do Javari.
Em
maio deste ano, a Univaja apresentou ao MPF um documento com informações sobre
a ação de invasores que estariam praticando crimes ambientais dentro do vale e
também sobre ameaças contra membros da entidade.
Após
formalizar procedimentos para apurar as informações recebidas, o MPF realizou
missão institucional in loco em Atalaia do Norte, na penúltima semana de maio,
durante a qual reforçou, entre outros assuntos, a necessidade de trabalho
conjunto entre a equipe de vigilância da entidade e as forças policiais para
resguardar a segurança dos membros da entidade.
Na
última semana, como parte do procedimento já autuado, o MPF requisitou
instauração de inquérito policial para apuração de crimes praticados por
invasores, a partir das informações da Univaja.
Da Redação/Viva
Notícias
Fonte: g1
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