O trauma naturalmente causado por uma pandemia acaba por deixar muitas pessoas preocupadas quando veem, logo em seguida, alertas sobre o surgimento de uma doença em locais onde antes ela não era detectada. É o que ocorreu após notícias de que humanos se contaminaram com a chamada varíola dos macacos, doença que é endêmica em países africanos, mas sua disseminação para países não endêmicos, como na Europa e nos Estados Unidos, causou apreensão. Até agora, existem mais de 200 casos confirmados ou suspeitos em cerca de 20 países onde o vírus não circulava anteriormente.
Diante
dessa situação, a Agência Brasil consultou fontes e especialistas para
elucidarem eventuais dúvidas sobre o que é a varíola dos macacos, bem como
sobre sintomas, riscos, formas de contágio e sobre o histórico dessa doença que
recentemente tem causado tanta preocupação nas pessoas.
Médico
infectologista do Hospital Universitário de Brasúlia (UnB), André Bon trata de
tranquilizar os mais preocupados. “De maneira pouco frequente essa doença é
grave. A maior gravidade foi observada em casos de surtos na África, onde a
população tinha um percentual de pacientes desnutridos e uma população com HIV
descontrolado bastante importante”, explica o especialista.
Segundo
ele, no início dos anos 2000 houve um surto da doença nos Estados Unidos. “O
número de óbitos foi zero, mostrando que, talvez, com uma assistência adequada,
identificação precoce e manejo adequado em uma população saudável, não tenhamos
grandes repercussões em termos de gravidade”.
O
grupo que corre maior risco são as crianças. Quando a contaminação abrange
grávidas, o risco de complicações é maior, podendo chegar a varíola congênita
ou até mesmo à morte do bebê.
Uma
publicação do Instituto Butantan ajuda a esclarecer e detalhar o que vem a ser
a varíola dos macacos. De acordo com o material, a varíola dos macacos é uma
“zoonose silvestre” que, apesar de em geral ocorrer em florestas africanas,
teve também relatos de ocorrência na Europa, nos Estados Unidos, no Canadá, na
Austrália e, mais recentemente, na Argentina.
Histórico
e ocorrências
A
varíola dos macacos foi descoberta pela primeira vez em 1958, quando dois
surtos de uma doença semelhante à varíola ocorreram em colônias de macacos
mantidos para pesquisa. O primeiro caso humano dessa variante foi registrado em
1970 no |Congo. Posteriormente, foi relatada em humanos em outros países da
África Central e Ocidental.
“A
varíola dos macacos ressurgiu na Nigéria em 2017, após mais de 40 anos sem
casos relatados. Desde então, houve mais de 450 casos relatados no país
africano e, pelo menos, oito casos exportados internacionalmente”, complementa
a publicação recentemente divulgada pelo instituto.
Segundo
o instituto, entre 2018 e 2021 foram relatados sete casos de varíola dos
macacos no Reino Unido, principalmente em pessoas com histórico de viagens para
países endêmicos. “Mas somente este ano, nove casos já foram confirmados, seis
deles sem relação com viagens”.
Casos
recentes
Portugal
confirmou mais de 20 casos, enquanto a Espanha relatou pelo menos 30. Há também
pelo menos um caso confirmado nos Estados Unidos, no Canadá, na Alemanha, na
Bélgica, na França e na Austrália, segundo a imprensa e os governos locais,
conforme informado pelo Butantan.
“Neste
possível surto de 2022, o primeiro caso foi identificado na Inglaterra em um
homem que desenvolveu lesões na pele em 5 de maio, foi internado em um hospital
de Londres, depois transferido para um centro especializado em doenças
infecciosas até a varíola dos macacos ser confirmada em 12 de maio. Outro caso
havia desenvolvido as mesmas lesões na pele em 30 de abril, e a doença foi
confirmada em 13 de maio”, informou o Butantan.
Mais
quatro casos foram confirmados pelo governo britânico no dia 15 de maio, e, no
dia 18, mais dois casos foram informados – nenhum deles envolvendo alguém que
tivesse viajado ou tido contado com pessoas que viajaram, o que indica possível
transmissão comunitária da doença.
Dois
tipos
De
acordo com o instituto, esse tipo de varíola é causada por um vírus que infecta
macacos, mas que incidentalmente pode contaminar humanos. “Existem dois tipos
de vírus da varíola dos macacos: o da África Ocidental e o da Bacia do Congo
(África Central). Embora a infecção pelo vírus da varíola dos macacos na África
Ocidental às vezes leve a doenças graves em alguns indivíduos, a doença
geralmente é autolimitada (que não exige tratamento)”, explica o instituto.
André
Bon descreve essa varíola como uma “doença febril” aguda, que ocorre de forma
parecida à da varíola humana. “O paciente pode ter febre, dor no corpo e, dias
depois, apresentar manchas, pápulas [pequenas lesões sólidas que aparecem na
pele] que evoluem para vesículas [bolha contendo líquido no interior] ate
formar pústulas [bolinhas com pus] e crostas [formação a partir de líquido
seroso, pus ou sangue seco]”.
De
acordo com o Butantan, é comum também dor de cabeça, nos músculos e nas costas.
As lesões na pele se desenvolvem inicialmente no rosto para, depois, se
espalhar para outras partes do corpo, inclusive genitais. “Parecem as lesões da
catapora ou da sífilis, até formarem uma crosta, que depois cai”, detalha.
Casos mais leves podem passar despercebidos e representar um risco de
transmissão de pessoa para pessoa.
Transmissão e prevenção
No
geral, a varíola dos macacos pode ser transmitida pelo contato com gotículas
exaladas por alguém infectado (humano ou animal) ou pelo contato com as lesões
na pele causadas pela doença ou por materiais contaminados, como roupas e
lençóis, informa o Butantan. Uma medida para evitar a exposição ao vírus é a
higienização das mãos com água e sabão ou álcool gel.
O
médico infectologista do HUB diz que a principal forma de prevenção dessa
doença – enquanto ainda apresenta “poucos casos no mundo” e está “sem
necessidade de alarde” – tem como protagonistas autoridades de saúde. “Elas
precisam estar em alerta para a identificação de casos, isolamento desses casos
e para o rastreamento dos contatos”, disse.
“Obviamente
a utilização de máscaras, como temos feitos por causa da covid-19 por ser
doença de transição respiratória por gotículas e evitar contato com lesões
infectadas é o mais importante nesse contexto”, enfatiza Bon ao explicar que a
varíola dos macacos é menos transmissível do que a versão comum.
O
Butantan ressalta que residentes e viajantes de países endêmicos devem evitar o
contato com animais doentes (vivos ou mortos) que possam abrigar o vírus da
varíola dos macacos (roedores, marsupiais e primatas). Devem também “abster-se
de comer ou manusear caça selvagem”.
O
período de incubação da varíola dos macacos costuma ser de seis a 13 dias, mas
pode variar de cinco a 21 dias, conforme relato do Butantan. Por isso pessoas
infectadas precisam ficar isoladas e em observação por 21 dias.
Vacinas
André
Bon explica que as vacinas contra varíola comum protegem também contra a
varíola dos macacos. Ele, no entanto, destaca que não há vacinas disponíveis no
mercado neste momento.
“Há
apenas cepas guardadas para se for necessário voltarem a ser reproduzidas. Vale
lembrar que a forma como a vacina da varíola era feita antigamente não é mais
utilizada no mundo. Era uma metodologia um pouco mais antiga e atrasada. Hoje
temos formas mais tecnológicas e seguras de se fazer a vacina, caso venha a ser
necessário”, disse o médico infectologista.
Bon
descarta a imediata necessidade de vacina no atual momento, uma vez que não há
número de casos que justifiquem pressa. “O importante agora é fazer a
observação de casos suspeitos”, disse.
O
Butantan confirma que a vacinação contra a varíola comum tem se mostrado
bastante eficiente contra a varíola dos macacos. “Embora uma vacina (MVA-BN) e
um tratamento específico (tecovirimat) tenham sido aprovados para a varíola, em
2019 e 2022, respectivamente, essas contramedidas ainda não estão amplamente
disponíveis”.
“Populações
em todo o mundo com idade inferior a 40 ou 50 anos não tomam mais a vacina,
cuja proteção era oferecida por programas anteriores de vacinação contra a
varíola, porque estas campanhas foram descontinuadas”, informou o instituto.
Da Redação/Viva
Notícias
Fonte: Agência Brasil
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