As intoxicações por agrotóxicos atingem, em média, 50 bebês de 0 a 1 ano por dia no Brasil. Entre os adultos, a média diária é de 15 contaminações, adianta a especialista em agrotóxicos Larissa Bombardi, que organiza uma nova edição do atlas "Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia", com previsão de ser publicado ainda este ano.
Aplicação de agrotóxico feita por avião. — Foto: GloboNews
"Agravos
de notificação são doenças que precisam ser reportadas pelos estados de forma
obrigatória, como doenças infecciosas, Aids", explica Larissa. "No
Brasil, as notificações por intoxicação por agrotóxicos são obrigatórias desde
2011", destaca.
Ela,
que é professora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo
(USP), publicou o primeiro relatório no Brasil em 2017, com dados de 2007 a
2014. Na União Europeia, o documento foi lançado há três anos e chegou a gerar
um boicote de uma rede de supermercados escandinava a produtos brasileiros.
Após
esse episódio, a professora teve o seu trabalho atacado publicamente por
entidades e figuras públicas do agronegócio, além de ter recebido ameaças
indiretas à sua integridade física, o que a fez deixar o Brasil no ano passado,
com seus dois filhos pequenos, rumo à Bélgica, onde conquistou uma bolsa de
pesquisa.
Larissa,
que continua morando fora do país, trabalha, agora, em uma nova edição do
atlas, que trará um panorama das intoxicações entre 2010 e 2019. Na nova
pesquisa, ela identificou um aumento dos casos.
"Os
números me chocaram, pois só aumentaram. Pela média diária, são 15 pessoas
intoxicadas por dia. No antigo levantamento, eram 10. Entre os bebês de 0 a 1
ano, a média diária de intoxicações passou de 43 para 50. Essa alta tem se
mantido para todos os recortes que tenho feito", afirma Larissa.
Ao
g1, a CropLife Brasil, entidade que representa as fabricantes de defensivos
agrícolas, afirmou que o critério para a liberação de agrotóxicos no Brasil é
"baseado em ciência" e "orientado por metodologias consolidadas
internacionalmente" (veja nota completa no final da reportagem) .
Mortes
por agrotóxicos
A
contaminação por agrotóxicos também provoca mortes. No Brasil, são dois óbitos
a cada dois dias e cerca de 20% das vítimas são crianças e adolescentes de até
19 anos, aponta um outro documento de Larissa, lançado na última semana, pela
rede de ambientalistas Friends of the Earth Europe, organização que reúne ONGs
e pesquisadores.
O
relatório, que é assinado em parceria com a especialista holandesa em comércio
Audrey Changoe, também usa a base de dados do Sinan, do Ministério da Saúde.
Europa
é maior fabricante
Para
Larissa, um dos pontos centrais deste debate, atualmente – e que, para ela,
está por trás do aumento das intoxicações – é a aliança entre grandes empresas
europeias que fabricam e exportam os agrotóxicos para o Brasil e o agronegócio
nacional.
"Empresas
europeias, como a Bayer/Monsanto e a Basf, que estão liderando os fabricantes
europeus de agrotóxicos, têm promovido o acordo comercial UE-Mercosul através
de grupos de lobby. Esse lobby tem buscado aumentar o acesso ao mercado para
alguns de seus agrotóxicos mais danosos ao unir forças com associações
brasileiras do agronegócio", afirma o relatório da Friends of the Earth.
O
documento da rede ambientalista aponta que, nos últimos três anos, Bayer e Basf
juntas, tiveram 45 novos agrotóxicos aprovados no Brasil, sendo que 19 deles
contêm substâncias proibidas na União Europeia.
Uma
delas é o Fipronil, que é neurotóxico e está associado à morte de abelhas. Tem
ainda o Dinotefuran, que também impacta abelhas; o Imazethapyr, que causa
problemas respiratórios em humanos e é tóxico para plantas aquáticas e o
Clorfenapir, que é altamente prejudicial para aves e abelhas.
Segundo
o documento, uma estratégia de lobby usada pelas empresas de agrotóxico da
União Europeia é "financiar vozes de terceiros para promover seus
interesses comerciais".
"Do
lado brasileiro, o laboratório de ideias Instituto Pensar Agro promove mais uso
de agrotóxicos e minimiza o papel do agronegócio no desmatamento. O Instituto
Pensar Agro trabalha em parceria com tomadores de decisão do influente bloco do
agronegócio no Congresso brasileiro", destaca o relatório.
O
g1 entrou em contato com o Instituto Pensar Agro, mas não teve retorno até a
última atualização desta reportagem.
Quem
criou o termo 'agrotóxico' e por que não 'pesticida' ou 'defensivo agrícola'
As
pesquisadoras citam um levantamento feito pela rede "De Olho nos
Ruralistas" que apontou que, entre 2019 e 2021, mais de 200 reuniões foram
feitas entre o Instituto Pensar Agro e membros do governo Jair Bolsonaro.
"Fazendo
isso, eles têm apoiado uma agenda legislativa que procura minar direitos
indígenas, remover proteções ambientais e legitimar o desmatamento. Através dos
poderosos grupos de lobby do agronegócio do Brasil – como o CropLife Brasil,
fundado pela Bayer – as empresas europeias de agrotóxicos apoiam esforços que
enfraquecem medidas de proteção ambiental", acrescenta.
Uma
dessas medidas, segundo o relatório da rede ambientalista, seria o apoio à
aprovação do projeto de lei dos agrotóxicos (PL 6299/02), que muda as regras de
liberação desses produtos. O texto, que tramita no Congresso, é chamado por
ambientalistas de “PL do Veneno”.
Projeto
de lei dos agrotóxicos: o que pode mudar em relação às regras atuais
O
g1 procurou a Bayer, a Basf e Syngenta, que afirmaram reforçar o posicionamento
da CropLife Brasil, organização que representa todo o setor. Em nota, a
entidade disse que, em sua avaliação:
"[...]
a modernização da legislação vigente, por exemplo, é condição para a garantia
de um futuro sustentável. Nesse cenário, a aprovação do PL 6299/02 permitirá o
acesso mais rápido a tecnologias mais modernas, seguras e eficazes, que, em
geral, têm sido disponibilizadas aos produtores agrícolas de países desenvolvidos
de cinco a oito anos antes do que aos nossos agricultores, o que reduz a
competitividade do agronegócio brasileiro".
Quem
discorda do projeto, ressalta, por exemplo, que a legislação proposta dá menor
poder ao Ibama e à Anvisa no processo de autorização de novos registros – as
duas entidades avaliam o risco ambiental e aos humanos, respectivamente, do uso
dos agrotóxicos.
Já
quem concorda, afirma que o projeto moderniza a legislação, ao agilizar os
registros e seguir padrões internacionais de aprovações.
Nota
completa da CropLife
"Em
resposta ao relatório “Comércio tóxico - A ofensiva do lobby dos agrotóxicos da
União Europeia no Brasil”, publicado em 28 de abril de 2022 pelas entidades
Friends of the Earth e Seattle to Business Network, a CropLife Brasil vem a
público esclarecer algumas afirmações trazidas pelo conteúdo e que não
correspondem à realidade dos fatos.
A
CropLife Brasil é uma associação que reúne especialistas e empresas que atuam
na pesquisa e desenvolvimento de tecnologias em quatro áreas essenciais para a
produção agrícola sustentável: germoplasma (mudas e sementes), biotecnologia,
defensivos químicos e produtos biológicos. Criada em 2019, a organização é
resultado da união de entidades que antes representavam cada um destes setores
individualmente (Andef, CIB, ABCBio, AgroBio e Braspov).
Defendemos
soluções integradas para a agricultura brasileira em parceria com diferentes
segmentos da sociedade, incluindo mais de 50 empresas, públicas e privadas,
brasileiras e estrangeiras, entidades da sociedade civil e academia científica.
Trabalhamos
ainda pela promoção da inovação em tecnologias de proteção e melhoramento de
plantas, que trazem impactos positivos nas dimensões ambientais, sociais e
econômicas da produção agrícola. A associação fomenta ainda a educação para o
uso correto das tecnologias no campo e permitindo que produtores possam
usufruir de seus benefícios de forma segura. Todas as práticas são alicerçadas
em anos de pesquisa e pela experiência de agricultores no mundo todo. Dessa
maneira, sustentabilidade é uma realidade com a qual nos comprometemos, não
apenas um discurso.
Adicionalmente,
a CropLife Brasil tem como missão dialogar com a opinião pública sobre
tendências para a agricultura brasileira. Em nossa avaliação, a modernização da
legislação vigente, por exemplo, é condição para a garantia de um futuro
sustentável. Nesse cenário, a aprovação do PL 6299/02 permitirá o acesso mais
rápido a tecnologias mais modernas, seguras e eficazes, que, em geral, têm sido
disponibilizadas aos produtores agrícolas de países desenvolvidos de cinco a
oito anos antes do que aos nossos agricultores, o que reduz a competitividade
do agronegócio brasileiro.
A
associação está comprometida em apoiar os agricultores no enfrentamento dos
desafios decorrentes das mudanças climáticas e busca soluções que aumentam a
resiliência e a produtividade no campo. Dessa maneira, respaldamos a construção
de marcos regulatórios que, ao mesmo tempo, dialogam com a contemporaneidade e
têm potencial de melhorar a capacidade de resposta da agricultura no longo
prazo. O aumento da oferta e da diversidade de fornecedores e origens para os
insumos de defesa vegetal é uma maneira de favorecer o abastecimento de
alimentos para uma população crescente.
Por
fim, ao contrário do que o relatório diz, somos firmes em nosso apoio às
regulamentações que favoreçam o avanço da inovação agrícola. Consideramos que o
critério decisivo para a avaliação e aprovação de moléculas, princípios ativos
ou quaisquer outras soluções agrícolas sejam baseados em ciência, orientado por
metodologias consolidadas internacionalmente e parâmetros de segurança para
consumo de alimentos determinados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e
Codex Alimentarius. Entendemos que tecnologia e inovação são ferramentas
essenciais para a produção de alimentos seguros e saudáveis de maneira
sustentável."
Da Redação/Viva
Notícias
Fonte: g1
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