O número de assassinatos no Brasil caiu 7% em 2021 na comparação com o ano anterior. É o que mostra o índice nacional de homicídios criado pelo g1, com base em dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal.
A região Norte foi a única do país que teve alta de assassinatos — Foto: Elcio Horiuchi/g1
Estão
contabilizadas no número as vítimas dos seguintes crimes:
- homicídios
dolosos (incluindo os feminicídios)
- latrocínios
(roubos seguidos de morte)
- lesões
corporais seguidas de morte
A
diminuição dos assassinatos em 2021 retoma a tendência de queda registrada no
país pelo Monitor da Violência desde o balanço de 2018. Esta tendência foi
interrompida em 2020, ano que teve uma alta de mais de 5% em plena pandemia,
mas voltou a ser registrada em 2021.
Com
a redução, o número de mortes volta ao patamar de 2019, quando foram
registradas 41,7 mil mortes. Naquele ano, houve a maior queda da série, de 19%.
Segundo especialistas do FBSP e do NEV-USP, o menor número de mortes é motivado por um conjunto de fatores, incluindo: profissionalização do mercado de drogas brasileiro; maior controle e influência dos governos sobre os criminosos; apaziguamento de conflitos entre facções; políticas públicas de segurança e sociais; e redução do número de jovens na população.
O
levantamento faz parte do Monitor da Violência, uma parceria do g1 com o Núcleo
de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e o Fórum
Brasileiro de Segurança Pública.
Os
dados apontam que:
- o
país teve 41.069 assassinatos em 2021, o menor número de toda a série
histórica, iniciada em 2007
- houve
3.049 mortes a menos na comparação com 2020, uma queda de 7%
- 21
estados do país tiveram redução de assassinatos no ano
- a
maior queda foi registrada no Acre, de -38%
- 6
estados tiveram aumento de mortes violentas - sendo que 4 deles estão na região
Norte
- o
Norte foi a única região do país que registrou alta de assassinatos, de 10%
- a
maior alta foi registrada no Amazonas, de 54%
Menor
número em 14 anos
O
número de assassinatos no Brasil em 2021 é o menor se for levada em conta a
série histórica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, iniciada em 2007, e
os levantamentos realizados pelo Monitor da Violência desde 2018.
O
patamar impressiona porque, até 2011, o Fórum contabilizava as ocorrências (em
que é possível ter mais de uma vítima). Já os dados coletados desde 2012 pelo
Fórum e desde 2018 pelo g1 se referem a números de vítimas. Mesmo assim, os
números de 2019, 2020 e 2021 são os menores da série histórica.
O
último trimestre de 2021 aponta para uma tendência de queda ainda maior que nos
meses anteriores. A redução dos assassinatos entre outubro e dezembro do ano
passado foi de 14,1% em comparação com o mesmo período de 2020.
Causas
para a redução
Os
especialistas do Núcleo de Estudos da Violência da USP e do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública elencam alguns pontos para explicar os números:
Profissionalização
do mercado de drogas brasileiro: "Mercados criminosos equilibrados, com
competidores que aprenderam a conviver entre si ou que descobriram formas de
regulamentar a relação entre eles, tendem a reduzir o total de conflitos
fatais. (...) A existência de regras e a criação de uma ampla rede de
parceiros, que se expandiu com os contatos com criminosos de outros estados
feitos nos presídios federais, ajudaram (o PCC) a se tornar um importante
distribuidor de drogas e de armas para quadrilhas de outros estados,
transformando o mercado de drogas brasileiro, que passou a replicar o modelo
criminoso paulista, se organizando a partir dos presídios estaduais", diz
Bruno Paes Manso, do NEV-USP.
Maior
controle e influência dos governos sobre os criminosos: "O próprio modelo
de negócio criado por esses grupos tornou as lideranças das diversas gangues
prisionais mais vulneráveis e sujeitas a pressões dos governos. Como parte
delas estava presa, suas ordens dadas de dentro do sistema penitenciário para
os territórios estavam sendo mais vigiadas e acompanhadas pelas autoridades. Os
governos e sistemas de justiça estaduais vinham acumulando e trocando
informações que permitiram agir para reduzir os conflitos e punir as lideranças
mais truculentas dentro das prisões, que foram levadas a exercer um comando
mais diplomático, racional e lucrativo", diz Bruno.
Apaziguamento
de conflitos entre facções: "Entre 2016 e 2017 vivemos uma guerra entre
dois grupos criminosos, o PCC e o Comando Vermelho, e essa guerra se alastrou
por todo o país, especialmente em estados do Norte e Nordeste. A gente tem um
apaziguamento desse conflito em alguns territórios e, em outro, tem um certo
monopólio de algum grupo. Quando um grupo único vai se consolidando no
território, tende a reduzir o conflito", diz Samira Bueno, do FBSP.
Criação
de programas de focalização e outras políticas públicas: "Várias unidades
da federação adotaram, ao longo dos anos 2000 e 2010, programas de redução de
homicídios pautados na focalização de ações nos territórios. O Pacto Pela Vida,
em Pernambuco, o Estado Presente, no Espírito Santo, e o Ceará Pacífico, no
Ceará, são exemplos de projetos que buscaram integrar ações policiais e medidas
de caráter preventivo. Ao longo dos anos, muitos governadores titubearam na
manutenção de tais iniciativas, mas houve um aprendizado organizacional das
forças de segurança que mostra que, quando existe planejamento, integração e
metas, os macros objetivos são mais rapidamente alcançados", afirmam Samira
Bueno e Renato Sérgio de Lima, do FBSP. Os especialistas também citam outras
políticas públicas que estão sendo desenvolvidas pelas unidades da federação,
focadas na integração das forças policiais com o fortalecimento dos mecanismos
de inteligência e investigação.
Redução
do número de jovens na população: "Tem a ver com as mudanças demográficas,
algo que a gente já vem apontando há alguns anos no Atlas da Violência, que é a
reduçao do número de jovens na populacão. É sabido que a maior parte da violência
letal atinge jovens do sexo masculino. E o Brasil está diante de uma grande
mudança demográfica", afirma Samira.
Criação
do SUSP e mudanças nas regras de repasses: "Em 2018, o governo federal
conseguiu aprovar, depois de tramitar por 14 anos, a lei que criou o Sistema
Único de Segurança Pública, responsável por regulamentar a Constituição de 1988
no que diz respeito à integração e eficiências das instituições de segurança
pública. Ainda em 2018, (...) houve uma mudança nas regras de repasse de
recursos arrecadados pelas Loterias da Caixa que, na prática, fez com que cerca
de 80% de todo o dinheiro da segurança repassado para estados e Distrito
Federal de 2019 a 2021 tenha as loterias como origem e, com isso, novos
recursos puderam ser destinados à área", dizem Samira e Renato.
Os
pesquisadores destacam que a queda no índice de homicídios pode acontecer mesmo
com a maior introdução de armas no país por conta dos decretos e mudanças na
legislação promovidas pelo governo federal. Segundo o Anuário Brasileiro de
Segurança Pública publicado no ano passado, o Brasil dobrou o número de armas
nas mãos de civis em apenas três anos.
"As
armas e munições legais e ilegais – que são desviadas e ingressam no mercado do
crime – não causam, isoladamente, variações nas taxas. Elas tendem a aumentar
os homicídios circunstanciais, em bares, boates e no trânsito, por exemplo, e
os femininídios. Mas não afetam necessariamente as dinâmicas criminais nos
estados", diz Bruno Paes Manso.
"O
Rio de Janeiro é um exemplo. Apesar da imensa quantidade de fuzis nas mãos de
traficantes e milicianos, que controlam diversas comunidades do estado graças a
esse poder bélico, a atual força política dos milicianos tem inibido conflitos
por poder e mercado, contribuindo para uma redução de mortes intencionais
violentas que persistiu nos últimos quatro anos – mesmo com as prisões e
impeachment dos seus chefes de executivos."
Acre:
maior queda de mortes do país
Já
no Acre, o estado com a maior queda no número de mortes violentas em todo o
país, as autoridades atribuem a melhora dos índices de violência aos seguintes
fatores:
Integração
das forças de segurança do estado (criação da força-tarefa);
Intensificação
de operações;
Retomada
dos presídios;
Descapitalização
dos grupos criminosos;
Estabilização
de territórios das facções criminosas.
A
queda no estado foi expressiva: 38%. Os números passaram de 292 em 2020 para
181 em 2021.
Além
das razões citadas acima, outras medidas foram tomadas no estado para controlar
a violência desde 2015, ano em que o poder público assumiu de forma oficial que
o estado estava lidando com a presença de organizações criminosas.'
O
promotor Bernardo Fiterman Albano, coordenador do Grupo de Atuação Especial no
Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Acre, diz ainda
que a estabilização de territórios dominados por grupos criminosos no estado
também influenciou a redução de mortes violentas em 2021, já que grande parte
dos assassinatos acontece devido à guerra entre as facções por território.
Região
Norte na contramão do país
A
redução de assassinatos no Acre, porém, é uma exceção na região Norte do país.
A região foi a única do Brasil a ter alta de mortes violentas: 10%.
"Ao
contrário do resto do estados, onde essa curva de homicídios vem diminuindo,
mostrando uma maior estabilidade nessas cenas criminais, no Norte, os estados
da Amazônia Legal vivem um desequilíbrio em decorrência da fragilização das
instituições de fiscalização e de polícia para controlar os comportamentos
criminosos na invasão de terra indígena, de grilagem, de madeira e mesmo da
droga", diz Bruno Paes Manso.
O
Amazonas foi o estado com a maior alta da região e do país: 54% a mais de
mortes foram registradas em 2021 que em 2020 no estado - o número passou de
1.019 para 1.571.
Um
desses casos foi o do indígena Melquisedeque Santos, de 20 anos. Ele era
aprendiz e foi morto no dia 17 de dezembro, durante um assalto a ônibus do
transporte coletivo de Manaus. O menino voltava para casa, após um dia de
trabalho, com uma cesta de natal para a família.
"Estamos
há dois meses esperando alguma resposta das autoridades sobre o caso do Melque.
A vida dele foi ceifada de forma brutal. Ele perdeu a vida no transporte
coletivo. Agora, esperamos celeridade da justiça", diz Rucian Vilacio, tio
do jovem morto.
"Eu
continuo usando o transporte coletivo, mas não me sinto seguro. A cidade está
cada vez mais violenta. A gente vê isso no rosto das pessoas, elas andam com
medo. A gente precisa ir trabalhar, se sentir seguro, voltar para casa em
segurança. Deixamos gente em casa, nossos filhos, pai, mãe, e não sabemos se
vamos voltar. Todo dia é uma luta, e a gente continua aqui pedindo justiça pelo
Melquisedeque."
No
dia 18 de dezembro, um dia após a morte do indígena, a Polícia Civil chegou a
prender um dos envolvidos no latrocínio. No entanto, até agora, ninguém mais
foi detido.
O
g1 questionou a PC sobre o avanço das investigações. Em nota, o órgão informou
que o caso está sob responsabilidade da Delegacia Especializada em Roubos,
Furtos e Defraudações (DERFD). O delegado Adriano Félix ressalta que as
investigações em torno do ato criminoso estão em andamento, mas outras
informações não podem ser repassadas no momento.
Índice
nacional de homicídios
A
ferramenta criada pelo g1 permite o acompanhamento dos dados de vítimas de
crimes violentos mês a mês no país. Estão contabilizadas as vítimas de
homicídios dolosos (incluindo os feminicídios), latrocínios e lesões corporais
seguidas de morte. Juntos, estes casos compõem os chamados crimes violentos
letais e intencionais.
Jornalistas
do g1 espalhados pelo país solicitam os dados, via assessoria de imprensa e via
Lei de Acesso à Informação, seguindo o padrão metodológico utilizado pelo fórum
no Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
O
governo federal anunciou a criação de um sistema similar ainda na gestão do
ex-ministro Sergio Moro. Os dados, no entanto, não estão atualizados como os da
ferramenta do g1.
Os
dados coletados mês a mês pelo g1 não incluem as mortes em decorrência de
intervenção policial. Isso porque há uma dificuldade maior em obter esses dados
em tempo real e de forma sistemática com os governos estaduais. O balanço de
2020 foi realizado dentro do Monitor da Violência, separadamente, e foi
publicado em abril. O levantamento do ano de 2021 ainda será divulgado.
Da Redação/Viva
Notícias
Fonte: g1
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