Com a entrada em vigor do novo ensino médio a partir de 2022, escolas públicas e privadas deverão implementar mudanças no 1º ano dessa etapa do ensino. A começar pela carga horária, que sobe de 4 para 5 horas diárias. Mas essa revolução será sentida de maneira desigual a depender de onde o estudante vive.
Antes
de entender as diferenças pelo país, veja os principais pontos da reforma:
Sabe
aquele modelo tradicional de aprender só sobre matemática na aula de
matemática, só sobre português na aula de português? Não será mais assim: as
disciplinas precisarão “se conversar”, em vez de ficarem separadas em
“gavetinhas” distintas.
O
tempo de permanência na escola aumentará de 4 para 5 horas diárias. O objetivo
é que a carga horária cresça progressivamente para haver mais colégios em tempo
integral (com 7 horas diárias).
Cada
estudante poderá montar seu próprio ensino médio, escolhendo as áreas nas quais
se aprofundará. A intenção é que sejam três anos de estudo com: conhecimentos
básicos de cada disciplina + conteúdos focados nos objetivos pessoais e
profissionais dos alunos.
Foi
criado o chamado “projeto de vida”: um componente transversal que será
oferecido nas escolas para ajudar os jovens a entender suas aspirações.
Atenção:
nenhuma disciplina vai sumir do currículo. Pelo contrário: todas elas deverão
ser oferecidas seguindo as diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
- um documento que estabelece as habilidades e matérias que precisam ser
ensinadas a todos.
As
mudanças acima são regulamentadas por uma lei aprovada em 2017 – ou seja, as
redes de ensino tiveram 4 anos para se preparar até a estreia, marcada para o
início do ano que vem.
Em
Alagoas, por exemplo, uma parte dos alunos do 1º ano do ensino médio já poderá
escolher em quais áreas vai se aprofundar. No Rio de Janeiro, por outro lado,
as disciplinas eletivas só começarão a ser implementadas em 2023.
Outra
diferença está no número de profissionais: o governo de São Paulo vai contratar
10 mil novos professores para dar conta das mudanças, enquanto Goiás não tem a
intenção de aumentar o corpo docente.
Especialistas
alertam também para as disparidades no investimento feito pelos estados para preparar
os professores para o novo ensino médio. E lembram que a qualidade do ensino à
distância durante a pandemia varia muito de um estado para o outro, o que faz
com que ela tenha tido impacto diferente no conhecimento adquirido pelos
alunos.
“É
algo preocupante em termos de desigualdade”, afirma Lucas Fernandes
Hoogerbrugge, líder de relações governamentais do Todos Pela Educação.
“Quando
a reforma foi aprovada, havia um projeto do governo federal para apoiar a
implementação dessas mudanças. Mas o que a gente vive hoje é a total falta de
coordenação do Ministério da Educação. Com isso, os estados que estavam mais
‘prontos’ avançaram, e os que não tinham debate tão amadurecido ficaram para
trás”.
Apenas
em setembro deste ano, o Ministério da Educação lançou o programa Itinerários
Formativos, para dar apoio financeiro às escolas. “Depois de 2 anos de
ausência, agora o MEC está se colocando mais na pauta do ensino médio”, diz
explica Carlos Lordelo, coordenador do observatório do Movimento Pela Base (MPB).
Currículos:
nem todos os estados decidiram o que oferecer aos alunos
Cada
estado é responsável pela elaboração do seu currículo: precisa definir como vai
colocar em prática a BNCC (aquela parte obrigatória, com os conteúdos de todas
as disciplinas) e que tipo de conhecimento vai oferecer na parte flexível das
aulas (quando os jovens escolhem que trilha ou itinerário a seguir).
As
redes teriam de fazer consultas públicas, formular uma proposta e entregá-la ao
Conselho Estadual de Educação, que, após debates, chegaria à versão final e
homologaria o documento.
Em
outubro de 2021, a dois meses do fim do ano letivo, essas etapas foram
concluídas em 16 estados, segundo Movimento Pela Base. Bahia, Maranhão e Rio
Grande do Norte sequer entregaram a proposta aos conselhos.
“É
um ponto de atenção importante, porque o currículo é a espinha dorsal do ensino
médio. Ele vai conversar com a formação dos professores, com os materiais
didáticos e com as avaliações, em um sistema coerente”,
Segundo
ele, os docentes precisam saber com antecedência como o estado vai trabalhar
determinada aprendizagem prevista na BNCC.
“Resta
um tempo curto para definir isso e formar professores nessa nova perspectiva”,
completa.
O
g1 entrou em contato com as secretarias de educação dos três estados acima para
saber o motivo do atraso, mas não recebeu resposta até a última atualização
desta matéria.
Acre,
Alagoas, Ceará, Goiás, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Tocantins enviaram a
proposta aos conselhos e aguardam resposta.
Nem
todos os estados terão itinerário formativo em 2021
Aquela parte específica do currículo, que pode ser escolhida pelo jovem, é chamada de itinerário formativo.
Cada
estado deve definir um leque de opções dentro de cinco
"guarda-chuvas" principais: linguagens, matemática, ciências humanas,
ciências da natureza e ensino técnico.
E
cada estado vai definir como administrar isso: no Rio de Janeiro, por exemplo,
os alunos, com exceção das escolas integrai, vão ter apenas conteúdo da BNCC em
2022. As escolhas de itinerários formativos só vão valer a partir de 2023.
Já
em Goiás, os estudantes poderão escolher os itinerários formativos já em 2022,
e terão à disposição 17 opções (veja no gráfico abaixo). Um aluno do estado
poderá, portanto, escolher uma trilha integrada, como “viagem ao redor de mama
Gaia”, e usar nela 1.200 horas de aula das 3.000 que terá ao longo dos 3 anos
de ensino médio.
Pernambuco
oferecerá 16 trilhas formativas nas áreas de conhecimento, além das de formação
técnica profissional (veja no infográfico abaixo).
Uma
delas é “desenvolvimento social e sustentabilidade”, na qual o estudante será
estimulado a compreender e propor alternativas inovadoras para problemas locais
relacionados a meio ambiente e sociedade.
“Há
prós e contras de colocar o itinerário no começo do ensino médio: a vantagem é
já mostrar para o aluno que será tudo diferente, que ele vai poder escolher o
que estudar. A desvantagem é que, se obrigar que o jovem faça sua opção logo de
cara, ele pode se frustrar por não saber ainda o que quer”, explica Lordelo.
Oferta
de itinerários deve ser menor fora dos grandes centros
É
importante entender que as escolas não são obrigadas a oferecer todos os
itinerários do “cardápio” do estado - até porque isso exigiria mais espaço e
contratação de funcionários.
Elas
podem, por exemplo, escolher apenas duas áreas para ofertar. E aí entra mais
uma questão de desigualdade: jovens de cidades pequenas, com menos recursos,
terão um leque mais reduzido de opções para escolher.
Segundo
o Censo Escolar mais recente, divulgado em 2020, 48% das cidades do Brasil têm
apenas uma escola regular com ensino médio – são casos em que o jovem terá de
se conformar com os poucos itinerários oferecidos no seu próprio colégio.
É
uma situação bem diferente da de um adolescente da capital paulista, onde o
número maior de instituições de ensino públicas com essa etapa (679)
possibilita o oferecimento de uma lista mais extensa de itinerários.
“É mais um risco de agravamento de desigualdades. Uma cidade com apenas uma escola de ensino médio vai ter muito mais dificuldade de ofertar itinerários diversificados. E são justamente regiões mais vulneráveis, com professores com menos formação”, explica Anna Helena Altenfelder, presidente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec).
“É
possível que os alunos da zona rural, por exemplo, não se beneficiem tanto da
reforma do ensino médio como os das regiões centrais.”
Nem
todos os estados reforçarão corpo docente
A
oferta de novos itinerários formativos e a reestruturação do currículo fizeram
com que alguns estados contratassem novos professores. É claro que isso depende
da disponibilidade orçamentária e do tamanho da rede.
São
Paulo, por exemplo, contará com 10 mil novos docentes; Alagoas selecionará 3
mil. Já Goiás prevê “continuar a trabalhar com os professores da rede pública
estadual”.
“O
importante é que haja um bom planejamento das capacidades de oferta e demanda
de aulas. O trabalho dependerá dessa organização”, afirma Lordelo.
Formação
de professores
Mesmo
nos estados que não implementarão os itinerários formativos ainda em 2022, como
o Rio de Janeiro, a mudança na organização do ensino médio será sentida pelo
início da BNCC (só para refrescar a sua memória: é aquele novo documento que
coloca uma base de conteúdos a serem ensinados).
“Os
professores serão mobilizados para trabalhar de maneira interdisciplinar, com
projetos que integrem mais disciplinas. Isso é uma novidade grande, e eles
precisam receber a formação adequada”, diz Altenfelder, do Cenpec.
Segundo
o levantamento do Movimento Pela Base, três estados ainda não iniciaram os
planos de formação docente: Ceará, Pará e Paraná. Já Distrito Federal, Rio
Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe declaram que já finalizaram
essa etapa. Nos demais, os cursos estão em andamento.
“Nós
estamos inseguros”, conta Miriam Isabel Pretto, professora da rede estadual
gaúcha.
“Conheço
a BNCC na teoria, mas precisaria de mais formação. É uma política imposta de
cima para baixo, para tornar o ensino médio atraente, mas tudo está muito
distante da nossa realidade.”
Em
São Paulo, Mara Cristina de Almeida, diretora estadual da Apeoesp, o sindicato
dos professores estaduais, também sente que não recebeu o preparo adequado.
“A
formação que recebemos foi muito superficial. É um cenário de desmotivação e
insegurança. Eu precisaria de uma redução de jornada para conseguir preparar
novas aulas de maneira decente”, afirma.
Ao
g1, a rede estadual do RS afirmou que foram feitas 299 "maratonas"
com professores, e que a formação deles continuará após o currículo ser
homologado. Já a secretaria de SP disse que tem proporcionado formações
mensais, de forma on-line e presencial. Nos próximos meses, segundo o órgão, a
rede paulista preparará os docentes com materiais didáticos e aprofundamento
dos itinerários formativos.
Para
Hoogerbrugge, do Todos pela Educação, é preciso haver uma orientação
permanente. “A formação de professor não se faz em um ano: precisa de um
período para que ele se aproprie da BNCC, entenda o que ela traz. As redes
devem se programar para planos de formação contínua.”
Segundo
a secretaria de educação do Piauí, por exemplo, a pandemia dificultou a
implementação de cursos aos docentes.
“As
atividades de formação com oficinas e interações presenciais ficaram
prejudicadas”, afirma a Seduc, em nota.
Leila
Perussolo, secretária de educação em Roraima e uma das articuladoras do novo
ensino médio na rede do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed),
ressalta que a experiência prática vai mostrar os desafios das mudanças.
“O
dia a dia, nesse processo de imersão, ajudará o professor a entender como
deverá romper com o que estava consolidado até então. Não é só uma formação
teórica de sentar e estudar. Precisa vivenciar.”
Impactos
da pandemia
Os
alunos que ingressarão no 1º ano do ensino médio em 2022 ficaram sem aulas
presenciais durante todo o 8º ano do ensino fundamental e em boa parte do 9º.
Haverá defasagens, evidentemente, que precisarão ser compensadas.
“Precisaremos
respeitar o que era previsto para a reforma do ensino médio, mas sem desconsiderar
a pandemia. Teremos de formular um currículo transitório com base no que foi
feito durante os últimos meses”, diz Perussolo.
E
aí entra mais um componente de desigualdade: o novo projeto escolar vai começar
para todos em 2022, mas de pontos de partida totalmente diferentes.
A
Fundação Getúlio Vargas (FGV) e o Departamento de Ciência Política da
Universidade de São Paulo (USP) criaram o Índice de Educação à Distância para
avaliar a atuação das redes estaduais no ensino remoto durante a pandemia.
O estudo deixou claro que desigualdades regionais foram agravadas neste período: enquanto houve estados que rapidamente se mobilizaram para desenvolver planos de educação remota, outros demoraram meses para apresentar as primeiras iniciativas.
“Estados
mais ricos foram, em média, os que apresentaram os melhores planos”, afirma a
publicação.
Foram
considerados critérios de:
- transmissão
dos conteúdos (internet, TV e rádio);
- formas
de acesso (se houve iniciativas de conexão à internet ou de distribuição de
materiais);
- supervisão
dos alunos (se foram ou não acompanhados pelas escolas)
- e
cobertura das atividades (quais etapas foram atendidas).
De
março a outubro de 2020, o cenário foi insatisfatório: a nota média dos planos
estaduais foi de 2,38 (de 0 a 10). A falta de coordenação nacional do MEC é uma
das justificativas apresentadas pelas redes.
Da Redação/Viva
Notícias
Fonte; g1
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